quarta-feira, 24 de julho de 2013

A Injustiça e o Advogado.

O sentimento de injustiça pode ser descrito assim como o nascer do sol e de seus imanentes reflexos derramados sobre as nuvens preexistentes no céu, mas de maneira contrária, pois o primeiro é um quadro pintado com a tinta do ocaso, enquanto que o segundo é o de pleno alvorecer, esperança, é o desvirginar dos céus, como diria o advogado e grande mestre Américo Leal.

O sentimento de injustiça é verdadeiro drama da humanidade, pois é circunstância que angustia e faz o atingido querer a todo o momento uma rápida evolução da cena, a fim de que o mal passe, cesse.

O sentimento de injustiça nasce na vista, audição, olfato ou tato e adentra na pele, sem pedir permissão. Sua penetração é como terra de cemitério, vez que por onde passa consome, devora, toda e qualquer felicidade anteriormente existente.

O sentimento de injustiça não é estático, fixo em um único órgão sensitivo do corpo, pois ao atingir o âmago do ser, sobe e aloja-se na garganta, sufocando-a e impedindo o sofredor de falar, de lutar, de mostrar plenamente suas razões... Mas devido à sua natureza destruidora e egoísta, ele não para... Permanece nesse ir e vir até que as lágrimas brotem nos olhos, sequem e depois o riso apareça.

A dor ocasionada é tamanha que ao manifestar-se em lágrimas ainda é possível aguentar; quando essas secam é ainda mais potente e no momento em que o sorriso estampa o rosto já se transformou em insuportável, em loucura, como ensina o Padre Antônio Vieira em um de seus eloquentes sermões. Este riso já é a manifestação plena daquele que se encontra desenganado, desacreditado e sem esperanças, pois sorrir em desgraça é o reflexo do contraditório, da destituição da humanidade.

Todavia, o sentimento de injustiça possibilita que o caminho para a justiça seja desvelado, descoberto, em sua plenitude, como me ensinou Paulo Bona, um dos maiores Defensores Públicos que conheci até hoje, quem sabe o maior.

Talvez seja este o mistério da advocacia criminal, talvez seja este o sentido maior do já antigo, mas ainda completo, conjunto de palavras que dizem ser o advogado criminal a voz daqueles que não podem ser ouvidos.

Lucas Sá Souza.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Casas Penais e Seres “Humanos”.


Fomos, eu e alguns integrantes da Defensoria Pública do Estado do Pará, ao Presídio Estadual Metropolitano III, o PEM III, com a finalidade de realizar atendimentos de pessoas que se encontram detidas “provisoriamente”.

Ao chegarmos às portas da Casa Penal, nos deparamos com a seguinte cena: um grande número de abutres, onde uma parte sobrevoava o presídio e a outra estava no solo, esta atacando ferozmente um rato. Tal cenário foi perfeito cartão de visita para o interior que nos aguardava.

Quando finalmente entramos, os funcionários do local nos disponibilizaram meios suficientes - cadeiras, mesas e internet - para que pudéssemos realizar nossa finalidade.

Enfim, iniciou-se o atendimento.

Cada pessoa que chegava para ser atendida parecia seguir, sistematicamente, o mesmo roteiro: a primeira parte, exclusivamente técnica, onde ansiavam por saber sobre como estava “andando” o seu processo e a segunda, emocional, onde víamos homens se transformando em crianças, pois éramos, claramente, uma das únicas formas de contato amigo com o mundo lá fora, com a sociedade, com seres humanos.

Nesse momento, passamos à, de fato, representar a Defensoria Pública e a Advocacia em toda sua completude, pois como diz esta bela trova espírita:

"Um sábio lançou na Terra
Este rifão lapidar:
Quem enxuga o pranto alheio
Não tem tempo de chorar”.

E as lágrimas daqueles homens eram diversas, as mais recorrentes diziam respeito à ausência familiar; ausência ou ineficiência do acompanhamento processual por advogado particular, onde as famílias gastaram suas últimas poupanças; esquecimento pelo Poder Judiciário, pois muitos se encontravam presos a mais de 4 (quatro) meses sem sequer terem tido a audiência de instrução e julgamento marcada. Sendo esta última uma clara à constitucional garantia do julgamento no prazo razoável (Pacto de San José da Costa Rica, artigos 7º, 5º, §2º última parte, em virtude do acolhimento por nosso artigo 5º, §2º da Constituição da República) e geradora da ilegalidade na prisão, em razão de constrangimento ilegal por excesso de prazo (artigo 648, inciso II do Código de Processo Penal) que poderá ser combatido via Habeas Corpus (artigo 5º, inciso LXVIII da Constituição da República).

Em dado momento, ofereci, para um dos que estavam sendo atendidos por mim, um copo d’água. Ao beber, ele disse: “Isso parece refrigerante!”. E serviu um pouco ao outro detento...

É um local onde a tensão se torna uma constante.

Durante todo o atendimento, ouviam-se, vindo dos interiores das celas – que estava distante de nós pela simples existência de uma porta de ferro e algumas grades –, gritos, que mais se assemelhavam a urros de animais engaiolados, havendo ainda intenso barulho de agitação, gerado por choques entre objetos e o metal.

Chamo aqueles indivíduos de homens – até mesmo de forma insistente - apenas pelo fato do meu coração e todo meu ser se negarem à aceitar que são bichos, uma vez que a linha que separa, naquele local, o ser humano de um animal de cativeiro é tênue ao ponto de poder ser quebrada a qualquer instante, pois como já dizia, duramente, Manoel Bandeira em seu poema “O bicho”:

“Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem”.

Findo o atendimento, algo mais nos esperava, nos chamava. Tínhamos de ver o interior das celas para, assim como São Tomé quando necessitou ver as chagas do Homem, crer que ali comia, dormia e acordava um ser humano.

Subimos uma escada em espiral e, ao seu término, nos deparamos com um cenário que, quando recordo, me gela e entristece até o último fio de cabelo. Era um Zoológico, um Zoológico Humano!

O piso do segundo andar era feito de grades, onde ao fundo era possível observar pessoas andando. O cheiro era forte. Era de suor, urina, lágrimas e sangue. Alguns saíam e tomavam, em área reservada, o “banho” de sol. Esse era o lazer. Aqui cabe um questionamento: a garantia prevista pelo artigo 5º, inciso XLIX da Constituição da República, onde deveria ser assegurado aos presos a sua integridade física e moral, é letra morta ou assassinada?

Muitos desses indivíduos ainda não foram sequer julgados. São presos “provisórios”. Entretanto, as marcas que o cárcere deixa, não.



P.S.: Ao escrever esse pequeno texto, não utilizei praticamente nenhum conceito jurídico, pois queria empregar nele uma conotação social e até mesmo poética. Distanciando-me, assim, um pouco da, muitas vezes dura, letra da lei.

Portanto, minha principal vontade era a de demonstrar outro ponto de vista para o que está ocorrendo em nosso País.

Demonstrar que, embora a criminalidade esteja em franco crescimento, o Estado não pode aplicar sanções cruéis e até mesmo irracionais (artigo 5º, inciso XLVII, alínea “e” da Constituição da República de 1988).

Quando vivi a experiência demonstrada aqui, me vieram dois sentimentos: o primeiro de choque, pois - embora seja estudante da História das Penas e, em especial do Direito Penal e Processual Penal -, nunca pensei que um ser humano pudesse "sobreviver" a tal degradação.

O segundo sentimento foi medo, pois se realizarmos um perfunctório estudo sobre os julgados brasileiros será constatado que prisões preventivas são decretadas, em sua maioria, de forma não fundamentada, ou então baseada em argumentos inválidos.

Logo, gera medo saber que pelo simples fato do indivíduo ser investigado, de forma muitas vezes arbitrária, ele ficará em uma situação sob as quais nem os animais se encontram.

No papel o Brasil aboliu há muito as penas cruéis, mas no cárcere não é bem assim.

Penso, e a Constituição assegura, que se o Estado quer exercer seu constitucional poder de punir, ele deve se valer do devido processo penal legal, onde os Direitos e garantias do acusado devem ser respeitados e protegidos, pois, em última análise, se estará assegurando os da sociedade também.

Lucas Sá Souza.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Estréia. O Medo.


     Esta postagem é a estréia efetiva deste blog. A escolha do tema não foi de "caso pensado", mas surgiu do temor ocasionado pela notícia de que há real possibilidade de que ocorra plebiscito a fim de decidir sobre a diminuição da maioridade penal, atualmente de 18 (dezoito anos), no Brasil.




O Medo.

     A sociedade está com medo. Todos estamos aterrorizados com esta violência que a cada dia cresce mais. Quem, sinceramente, em nosso país conhece alguém que ainda não foi vítima de assalto ou mesmo de coisa pior?

     É difícil. É difícil todo dia ter que ver o filho ir para a escola e não saber se ele irá voltar. É difícil sair cedo para trabalhar e não saber se irá chegar à parada de ônibus, ao escritório ou mesmo retornar para casa ileso. 

    É difícil. É difícil ter que escutar de dois em dois anos que a saúde, a educação e a segurança irão melhorar e o cotidiano nos mostrar que não é verdade. É difícil olhar todos os dias, em jornais ou na televisão, notícias de sangue e... mais sangue. 

     De quem é a culpa? É a pergunta que mexe. De quem é a culpa? É a dúvida que persegue.

     É nossa!

     Nossa?

     É, nossa.

     Estamos agindo iguais a animais irracionais acuados em frente ao perigo. 

     Como assim? 

    Percebemos que a segurança pública é insuficiente, que o Estado nos esqueceu, que a mídia não nos mostra uma esperança. O que fazemos? Repelimos o perigo à força, à bala se for preciso. Não reivindicamos racionalmente por melhorias. Agimos com a águia que acreditava ser galinha por ter sido criada com essas. Desconhecemos, ou melhor, esquecemo-nos de nossa força.

     E  o meu vizinho, meu compatriota... o outro?

    Não temos tempo, não temos nem mesmo como pensar no outro, afinal nós mal conseguimos manter-nos seguros nesse mundo. O outro só será considerado quando nossa barriga estiver cheia.

     É egoísmo? Não, é instinto de sobrevivência, puro estado de necessidade.

    Entretanto, esse ”instinto de sobrevivência” termina nos matando. Termina por fazer que enxerguemos o mundo de forma míope, pois passamos a aceitar tão rapidamente o que “nos dizem ser” a solução para problema que esquecemos de raciocinar e analisar se de fato a sugestão era saudável, era moral, era correta, era devida... era necessária. Seria como se estivéssemos com fortes dores de estômago e tomássemos o primeiro remédio que encontrássemos, sem antes ter consultado um médico.

     Um grave efeito dessas atitudes sem reflexão, instintivas, é o esquecimento do princípio da presunção de inocência, sendo que tal consequência é até mesmo natural frente ao que observamos – ou somos feitos observar, muitas vezes de forma deturpada - no nosso cotidiano, pois se estamos com medo, acuados, qual é o pensamento? Condenar a qualquer custo. Somente há justiça na condenação. Direito de defesa para quê? Na dúvida, melhor prender ou condenar, pois as ruas já estão cheias de bandidos! Se for inocente, ele que prove!

     Mas o que acontece quando damos efetividade para esses pensamentos e esquecemo-nos de lutar por direitos conquistados mediante demasiado sofrimento? 

     Tornamo-nos reféns de nós mesmos, pois quando estivermos – ou alguém de nossa família, ou amigo, ou alguém por quem tenhamos afeição- na mesma circunstância iremos sofrer as mesmas consequências. É um ciclo de tempestade que não gerará bonança. Afinal, como exigir do outro algo que não faço?

     A nossa omissão não nos dará trigo, mas joio.

    Estamos aptos a votar neste possível plebiscito? Sobre essa questão que nem durante a ditadura foi concretizada?

   Isto mesmo, nem no momento em que nossos direitos foram jogados na latrina do esquecimento – notadamente a liberdade- houve tão forte apelo ao vergastado tema.

    Que a resposta fique na consciência de cada um, fomentando a reflexão e, Deus queira, um agir de mente arejada e convicta para o melhor da nação.

     Lucas Sá Souza.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Boa noite!

      Enfim tive a paciência de criar um cantinho para escrever sobre o que gosto - O Homem e o Crime - mas hoje não. Estou um pouco cansado. Apenas venho para dizer que neste lugar, constarão manifestos sobre fatos e pensamentos que circulam pela nossa sociedade.